segunda-feira, 4 de março de 2013


ETAPAS PRINCIPAIS DA HISTÓRIA DA ASTRONOMIA

           A astronomia, ciência do universo e das estrelas, é de longe a mais antiga de todas as ciências. As suas origens perdem-se na pré-história da humanidade: muitos povos antigos, como os chi­neses, os caldeus, os egípcios, os maias da América central e outros, possuíam conhecimentos astronómicos relativamente desenvolvidos quando pela primeira vez apareceram no limiar da História. Embora os primeiros textos sobre as observações astronómicas pareçam datar do século VIII antes da nossa Era, sabe-se que os sacerdotes do antigo Egipto notavam que as grandes cheias do Nilo, de que dependia a vida económica do país, ocorriam pouco depois da estrela Sírio (para eles Sothis), a estrela mais brilhante do céu, aparecia a Este pouco antes do nascimento do Sol, eclipsada durante cerca de dois meses pelos raios solares. Foi a partir dessas observações que eles obtiveram uma determinação bastante precisa da duração do ano trópico.

          Dois mil anos antes da nossa Era, os astrónomos da China antiga conheciam os movimentos aparentes do Sol e da Lua, o que lhes permitia prever os eclipses do Sol e da Lua.

          Como todas as outras ciências, a astronomia surgiu para resolver certas necessidades práticas do homem. Na sociedade primitiva, as tribos nómadas, que se deslocavam continuamente, tinham necessidade de se orientar; para isso, recorriam ao Sol, à Lua e às estrelas. Para os seus trabalhos de campo, o agricultor primitivo necessitava conhecer o ciclo das estações; cedo notou que a sua sucessão estava ligada com a altura do Sol ao meio-dia e com o aparecimento no céu nocturno de certas estrelas. O desen­volvimento da sociedade humana tornou necessário começar a medir o tempo e assim surgiram os primeiros calendários e os primeiros relógios de Sol.

          Todos estes ensinamentos podiam ser e eram proporcionadas por observações dos astros, primitivamente realizadas sem qual­quer instrumento, muito pouco precisas mas suficientes para as tarefas práticas da época. Foram estas observações que deram origem à astronomia.

          À medida que a sociedade humana se desenvolvia, novos problemas se colocavam à astronomia, cuja resolução necessitava de métodos de observação mais aperfeiçoados e processos de cálculo mais precisos. Finalmente, surgiram os primeiros instrumentos astronómicos, muito simples, e os primeiros métodos matemáticos de tratamento das observações.

          Na Grécia antiga a astronomia era já uma das ciências mais desenvolvidas. Para explicar os movimentos aparentes dos plane­tas, os astrónomos gregos elaboraram a teoria geométrica dos epiciclos que constituía a base do sistema do mundo geocêntrico de Ptolomeu (século II da nossa Era). Embora estivesse incorrec­to, este sistema permitia calcular aproximadamente as posições dos planetas e contribuiu, em certa medida, para satisfazer às necessidades práticas durante vários séculos.

          O desenvolvimento do feudalismo conduziu a um declínio das ciências naturais e os progressos da astronomia na Europa estiveram parados durante vários séculos. Durante a Idade Média, os astrónomos limitaram-se apenas a observar os movimentos aparentes dos planetas e esforçar-se em pôr de acordo as suas observações com o sistema geocêntrico de Ptolomeu.

          Foi entre os árabes e os povos da Ásia Central e do Cáucaso que a astronomia continuou a progredir, graças aos trabalhos de sábios eminentes entre os quais podemos destacar Al-Battani (astrónomo persa do século X). Também na Península Ibérica, onde se fazia sentir bastante a influência árabe, Afonso X de Castela (avô do nosso rei D. Dinis) fundou em Toledo, no século XIII, um observatório astronómico e publicou umas tabelas astronómicas, as Tábuas Afonsinas, que vieram substituir as de Ptolomeu e se mantiveram até ao século XVII.

          Depois do feudalismo, com o advento de novas ideias, deu-se na Europa um novo impulso ao desenvolvimento da astronomia. As longas viagens marítimas, iniciadas pelos portugueses nos séculos XV e XVI, deram-lhe foros de ciência de utilidade prática, aplicável à resolução dos problemas da navegação, tais como o cálculo do ponto no mar, a determinação dos rumos a seguir e o traçado de mapas, mais ou menos rigorosos, das novas terras que se iam descobrindo. A par dessa utilização prática, a astronomia pura já tinha, independentemente de qualquer aplicação «útil» à vida corrente, uma vida própria, resultante da curiosidade humana de conhecer o Universo em que vivia e as leis que o regiam. Copérnico, ainda em pleno século XVI, determinou a verdadeira estrutura do sistema solar, ao defender que a Terra não estava imóvel no centro do universo, mas que girava em torno do Sol, assim como os outros planetas; surgia assim o sistema heliocêntrico e dava-se início a uma nova etapa na história da astronomia.

          Pouco depois, e utilizando as observações rigorosas de Tycho Brahe, Kepler conseguiu determinar as «regras» empíricas segundo as quais se efectuavam os movimentos dos planetas. Finalmente, Newton descobriu a lei geral da gravitação, donde se podiam deduzir aquelas regras.

          Uma vez razoavelmente bem conhecida a organização do sistema solar, tratou-se do estudo do Universo em geral, primeiro obser­vando e registando o que se via, depois procurando criar com imaginação modelos explicativos do que era observado, como, por exemplo, a partir das célebres contagens estelares de William Herschel e, finalmente, tentando-se medir as distâncias a que se encontravam as estrelas que se julgavam mais próximas do Sol. Esse objectivo foi conseguido com as medições de paralaxes trigonométricas das estrelas Vega (Struve, 1837), 61 Cygni (Bes­sel, 1838) e a Centauri (Henderson, 1839). Foi à resolução deste magno problema que se deveu, em princípio, a construção do Observatório da Tapada.

          O aperfeiçoamento das qualidades ópticas e mecânicas da aparelhagem utilizada, o aumento de potência dos telescópios e o rigor sempre crescente na determinação do tempo foram tornando cada vez mais rigorosos os resultados numéricos obtidos. Porém, tudo isto se dava apenas em relação a dados geométricos e dinâmicos, ou seja a posições e movimentos cada vez mais bem determinados.

          A constituição das estrelas, as distâncias às nebulosas extra-galácticas, as fontes de energia que asseguravam a vida do Universo e o faziam evoluir no decorrer do tempo, não tinham, porém, até princípios de século XX, bases sólidas em que se pudessem assentar com confiança teorias que as explicassem ou permitissem efectuar observações de que resultassem dados numéricos razoavelmente rigorosos. Tinham, no entanto, já nessa altura sido iniciadas as observações que dariam novo impulso à astronomia, orientando-a para novo rumo e fazendo nascer uma ciência inteiramente nova, a astrofísica. O princípio orientador dessas observações já era conhecido desde há longos anos; trata­va-se apenas da decomposição da luz por um prisma, que, nas mãos de Bunzen e Fraunhofer, deu origem à espectroscopia. O primeiro trabalho, como já antes tinha acontecido, foi apenas descritivo e de classificação. Fraunhofer analisou o espectro do Sol e descre­veu as riscas que nele se viam; Secchi fez o mesmo para as outras estrelas, classificando-as em grupos de acordo com o tipo dos espectros observados. Pouco a pouco, porém, a análise espectroscópica revelou-se poderosíssima em relação aos resulta­dos que permitia obter. Composição química das estrelas, tempera­turas, pressões, estados magnéticos, massas, rotação, movimentos de aproximação ou afastamento não directamente visíveis, distâncias, tudo isso podia ser determinado com maior ou menor rigor e directamente ou não através das observações espectroscópicas.

          Já em pleno século XX a astrofísica, assentando de início quase exclusivamente na espectroscopia, passou a receber forte ajuda das teorias físicas entretanto aparecidas. A relatividade, a teoria dos quanta, o conhecimento mais preciso da estrutura da matéria, a descoberta da desintegração atómica foram as fontes donde a astrofísica recebeu novo impulso.

          Outra fonte, de descoberta mais recente, onde a moderna astrofísica foi buscar novos elementos para observação e estudo, foi a radioastronomia. Esta tem hoje tão grande desenvolvimento que constitui, por si só, uma secção de trabalho astronómico com vida própria e independente. Com a radioastronomia pode dizer-se que se abriu mais uma janela para a observação dos céus. Já não é só a luz das estrelas que nos vem revelar a sua constituição, luz essa muitas vezes inobservável, por encontrar a barreira intransponível de nuvens na nossa atmosfera ou por ter sido enfraquecida ou absorvida pelas poeiras ou gases invisíveis existentes nos espaços siderais. Para as ondas de rádio, essas barreiras não existem; é assim possível a observação de zonas celestes fortemente obscurecidas por gases ou poeiras e que antes eram inacessíveis à observação luminosa. Foi-se assim, por intermédio das ondas de rádio, determinando a estrutura interna da Galáxia em que nos encontramos, estrutura essa já prevista nas suas linhas gerais, mas só agora acessível a uma observação direc­ta.

          Com o lançamento do primeiro satélite artificial em 4 de Outu­bro de 1957 iniciou-se uma nova era na exploração do Universo. Nesse dia, pela primeira vez, um objecto feito pelo homem abandonou definitivamente a superfície da Terra e, submetido às leis da mecânica celeste, passou a gravitar em torno do globo terrestre segundo uma órbita sensivelmente elíptica. A partir de então um longo caminho já foi percorrido pela exploração espacial. Em 1969 o homem pisou, pela primeira vez, solo lunar e iniciou a exploração do nosso satélite natural. Sondas automáticas já desceram em Marte e em Vénus. Pode dizer-se que todos os planetas do sistema solar, já foram visitados por sondas espaciais, cujas fotografias enviadas para Terra nos permitiram obter um conhecimento bastante apreciável acerca da sua constituição física. É actualmente possível colocar fora da atmosfera terrestre observatórios automáticos que nos proporcio­nam métodos de observação bastante sofisticados e em muito melhores condições do que à superfície da Terra. 

          Tem interesse notar o modo como o desenvolvimento gradual dos conhecimentos astronómicos tem vindo pouco a pouco a destruir a ideia inicial do antropocentrismo ainda tão vigorosa no tempo de Galileu, há uns escassos três séculos. Até Copérnico, e com raríssimas excepções, a Terra era considerada como o centro do Universo, e em torno dela gravitavam o Sol, os planetas e as estrelas. Copérnico mostrou qual a verdadeira posição do Sol dentro do seu sistema planetário, mas durante muitos anos pareceu que este sistema ocupava uma posição central dentro da sua Galáxia que, além disso, se revelava, aparentemente, maior do que todas as outras que se observavam no céu. Observações e teorias mais recentes acabaram por mostrar que a posição do Sol na Galáxia estava bem longe de ser central e, finalmente, que as dimensões daquela não a tornavam um estranho gigante, mas apenas um representante médio da população a que pertence. Verificou-se depois que as outras galáxias se estão a afastar da nossa com uma velocidade que é proporcional à distância a que se encontram. Poderia parecer, portanto, que ocupamos uma posição especial no espaço intergaláctico, posição essa pouco invejável, pois que todas as galáxias se afastam da nossa. Este galactocentrismo, sucessor grandioso do ingénuo geocentrismo inicial, é, porém, interpretado à base da cosmologia moderna como sendo devido à teoria da Expansão do Universo.

          Do resumidíssimo esboço que acaba de ser feito da evolução que a ciência astronómica tem tido durante o decorrer dos séculos deve tirar-se uma conclusão. A astronomia actual, aliás como sucede com todas as ciências, não ocupa um compartimento isolado no conjunto dos conhecimentos humanos. Vive e evolui utilizando os conhecimentos obtidos por outros ramos da ciência em geral; precisa da matemática, da física, da química e da geologia naquilo que estas ciências têm de mais moderno. Necessita igual­mente da biologia, da botânica e da zoologia para fazer a previsão do que poderemos um dia encontrar noutros planetas que talvez possamos alcançar.

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