A ASTRONOMIA EM PORTUGAL NA
ÉPOCA DOS DESCOBRIMENTOS
Ainda durante a primeira
dinastia, e após a expulsão dos mouros do território nacional, os nossos
monarcas começaram a preocupar-se com a administração interna do reino e a
conceder uma certa protecção ao desenvolvimento das artes e das ciências.
Assim, D. Dinis fundou em Lisboa, em 1288, as Escolas Gerais, que constituiram a primeira Universidade
Portuguesa. Dado que, na época, não se reconhecia utilidade ao estudo das
matemáticas, não foram estas incluidas no plano de estudos da nova
Universidade, nem mesmo quando esta foi transferida para Coimbra em 1307.
É de admirar que D. Dinis
não tivesse tomado a iniciativa de introduzir o estudo das matemáticas em
Portugal, porque elas já começavam a desnvolver-se por toda a Europa, em
particular na côrte de seu avô, D. Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão, que muito as protegeu e animou nos
seus domínios. Aquele monarca fundou em Toledo um observatório astronómico,
para onde chamou vários astrónomos, alguns deles judeus e árabes. Dos
resultados das observações aí realizadas, foram publicadas, por volta de 1270,
as célebres Tábuas Alfonsinas, que
continham as posições dos astros já com bastante precisão. Essas tábuas
tornaram-se populares no século XIV, foram impressas, por várias vezes, nos
séculos XV e XVI, sendo então substituidas pelas elaboradas por Kepler. D.
Afonso X ordenou igualmente a tradução para castelhano e latim das mais
célebres obras de astronomia até então conhecidas e que foram reunidas na colecção
universalmente conhecida pelo nome de Libros
del saber de astronomia del rei D.
Alfonso X de Castilla. É quase certo que deviam ser conhecidas dos
portugueses pelo menos desde o tempo de D. Dinis.
Foi no reinado de D. Afonso
IV que, verdadeiramente, as ciências exactas começaram a ser cultivadas no nosso
País. Diz-se que o próprio monarca se dedicava a especulações matemáticas, em
especial à astronomia. Convém esclarecer que estes estudos eram essencialmente
canalizados para a astrologia, a qual tinha e tem por finalidade prever o
futuro a partir dos signos do zodíaco e das conjunções dos astros, e que se
havia desenvolvido na Península, graças às obras astrológicas dos judeus e dos
árabes.
O êxito da conquista de
Ceuta, em 1415, deu aso a que o Infante D. Henrique procurasse obter dos
mouros, não só após a batalha, mas também nas várias vezes que por lá passou,
informações relativas ao interior e à costa de Áfirca. Os elementos colhidos,
relativos acerca da situação e da riqueza dessas regiões quase incultas,
despertaram na sua mente a convicção de ser possível alcançar a India por via
marítima, como lhe acenderam o desejo de se tornar célebre com novos
descobrimentos que facilitassem a propagação do evangelho naquelas terras
remotas, dessem a Portugal novas terras e novas riquezas, e facilitassem uma expansão
considerável no nosso comércio.
É com base nestas reflexões
arrojadas que se criou o mito da Escola
de Sagres, que perdurou durante longo tempo, e D. Henrique ter doado à
Universidade de Lisboa um palácio que possuía na cidade para nele se ensinarem
as disciplinas do «quadrivium» (astrologia, aritmética, geometria e música).
Certamente que D. Henrique doou à Universidade, de que era «protector», esse palácio, mas esta Instituição esteve
alheada da astronomia até princípios do século XVI. No que diz respeito à
Escola de Sagres, alguns investigadores do século passado, nomeadamente Luciano
Pereira da Silva e Luís Albuquerque, afirmam que a escola dos nossos primeiros
navegadores foram as costaneiras dos barcos em que navegavam.
Também se tem mantido a
convicção de que D. Henrique conseguiu trazer para Portugal o célebre
cosmógrafo catalão Jácome de Mallorca
(aliás, Jafunda Cresques), a fim de
instruir os pilotos nas artes de navegar e promover o traçado de cartas
geográficas. Esta informação também não está correcta. De facto, Jácome de
Mallorca veio para Portugal, mas certamente, só por volta de 1360, de acordo
com a data do seu nascimento (cerca de 1325).
Inicialmente, a navegação
era feita à vista, pois os navegadores nunca se afastavam muito da costa, como
acontecia no Mar Mediterrâneo. Quando se começou a navegar através do mar
oceano, sem avistar a costa durante longos períodos, tornou-senecessário
recorrer a linhas de rumo magnéticas e as cartas começaram a ser designadas por
cartas-portulno, a que os nossos
pilotos se foram adaptando.
Rezam as crónicas da época
que os reis D. João I e D. Duarte também se interessavam pelas ciências exactas, em
particular pela astronomia e lhes deram todo o seu apoio. São referidas mesmo algumas
observações por eles realizadas. Nas suas cortes existiam muitos astrónomos, ou
melhor, astrólogos, que cultivavam principalmente a astrologia judiciária.
Assim, na côrte de D. Duarte, encontramos Abraham
Guedelha, de origem judaica, astrónomo e cosmógrafo do rei, particalarmente
dado à astrologia. Parece que, no dia da coroação de D. Duarte, o temível
Saturno estava numa posição de mau augúrio. Guedelha suplicou-lhe que adiasse a
cerimómia, o que ele recusou. É devido a este facto que os crentes da
astrologia lhe previram um reinado curto e infeliz, como de facto veio aacontecer.
Pelo contrário, no horóscopo do Infante D. Henrique falava-se da longitude do
Sol, de Marte, de Júpiter e de Saturno. Estas predicções e estes horóscopos não
eram feitos ao acaso, mas com a ajuda de instrumentos de observação e de
tabelas astronómicas, que já existiam na época.
Alguns autores afirmam que
também D. Afonso V se dedicava ao estudo da astronomia, fazendo observações e
divulgando os resultados. Outros defendem que deve haver confusão com D. Afonso
X de Castela, pois nenhum dos cronistas da época que aborda estes assuntos se
refere a D. Afonso V. Durante este reinado merece referência especial o
astrónomo Juda Iben Verga, autor de
umas tabelas astronómicas citadas por Abrham
Zacuto , dum tratado de astronomia datado de 1457 (Lisboa), assim como dum
estudo sobre vários instrumentos de observação.
No reinado de D. João II continuou
a ser notável a protecção dispensada ao estudo das ciências exactas e da
navegação. Alguns autores atribuem a este monarca a instituição duma Junta
dos Matemáticos, espécie de conselho técnico do rei, a qual tinha por
missão estudar, simplificar e aperfeiçoar os instrumentos e os métodos usados
na cosmografia e na astronomia, propôr outros e estabelecer as normas relativas
à navegação. A criação desta Junta, que parece ter ocorrido em 1481, deve-se ao
desejo de consagrar todos os seus
esforços ao desenvolvimento das viagens marítimas, em especial a descoberta do
Caminho Marítimo para a India e de estabelecer contacos com o lendário Prestes João, rei dum país da África
Oriental.
Quanto à organização da
Junta, seu funcionamento e posterior dissolução, pouco se conhece de concreto.
Tudo isso se encontra envolvido numa espécie de áurea de mistério, devido ao
excessivo cuidado com que eram guardados os segredos das viagens, terras
descobertas e métodos de navegar, para evitar que os estranjeiros deles tivessem
conhecimento. Dela teriam feito parte o alemão Martim de Behaim (vulgarmente conhecido por Martinho da Boémia), os dois judeus José e Rodrigo, médicos
do rei, o sábio Calçadilha, bispo de
Viseu, e o castelhano D. Diogo Ortiz,
bispo de Ceuta. As reuniões efectuavam-se em casa de Pedro de Alcáçova, a maior
parte das vezes com a presença do rei. Era aí que as pessoas incumbidas de
novas missões iam receber os instrumentos e as instruções convenientes. para o
seu desmpenho. Entre os trabalhos realizados pela Junta citavam-se a preparação
das tábuas do Sol, o desenho e actualização das cartas-portulano, e a
apreciação dos projectos apresentados pelos navegadores, relativos às suas
viagens.
Um dos primeiros trabalhos
da Junta foi apreciar o plano da viagem de Cristóvão
Colombo, destinado a alcançar a India, navegando sempre para ocidente, a
que, como se sabe, foi dado parecer negativo. Esta decisão da Junta tem sido um
pouco criticada; porém, o conhecimento que os geógrafos portugueses tinham das
dimensões do globo terrestre, levavam a concluir que uma tal empresa era inútil
e arriscada, pois, em seu entender, a rota mais curta e mais segura seria a de
contornar o continente africano. Desconhecia-se ainda a existência da América.
Existem algumas
controvérsias em relação a alguns membros da Junta. Assim, Calçadilha e D.
Diogo Ortiz seriam a mesma pessoa, isto é, D. Diogo Ortiz, natural de
Calçadilha (perto de Salamanca), sucessivamente bispo de Ceuta e de Viseu.
Relativamente ao alemão
Martim de Behaim, pertencente a uma nobre família alemã e que se dizia
discípulo do afamado astrónomo Jean de
Koenisberg, mais conhecido pelo nome de Regiomontano,
parece ter vindo para Portugal durante o reinado de D. Afonso V, depois da
morte do Infante. Os seus compatriotas atribuem-lhe numerosas descobertas e a
introdução em Portugal de vários instrumentos náuticos, entre eles o astrolábio
náutico, o quadrante e a balestilha. Porém, o astrolábio náutico já era
conhecido na Península havia dois séculos (encontra-se descrito nos livros de
D. Afonso X de Castela); o quadrante já era igualmente conhecido antes da sua vinda;
a balestilha só começou a ser utilizada pelos nossos navegadores por volta de
1530. É possível que Martim de Behaim tenha trazido para Portugal as Efemérides e as tábuas náuticas de
Regiomontano. Mas, mesmo neste domínio, em Portugal já havia muito tempo que se
fazia trabalho semelhante.
Alguns investigadores
duvidam da existência da Junta dos Matemáticos como uma instituição permanente.
Entendem eles que D. João II se limitava apenas em ter à sua disposição alguns
homens entendidos em determinados ramos do saber, como a geografia, a
astronomia e a cartografia, aos quais recorria, como melhor lhe convinha, para
resolver determinadas tarefas relacionadas com os descobrimentos. Entre esses
homens salienta-se também, além dos já mencionados, Duarte Pacheco Pereira, que, ao seu serviço, reconheceu os lugares
e rios da costa da Guiné, participou na Conferência
de Tordesilhas (1494) e, mais tarde, escreveu o Esmeraldo de situ orbis, fruto do seu muito saber e experiência.
Naquele livro, cujos primeiros 14 capítulos foram escritos em 1505, são feitas
descrições do astrolábio e do quadrante, os dois instrumentos utilizados para
determinar a altura dos astros, usados pelos nossos navegadores até ao século XV.
Desaparecido D. João II,
foi no reinado do sucessor, seu primo D. Manuel I, que veio finalmente a
concretizar-se a grande empresa idealizada pelo Infante D. Henrique: logo no
início do seu reinado Vasco da Gama descobriu o Caminho Marítimo para a India.
Esta empresa, como hoje se
reconhece, não foi obra do acaso; pelo contrário, foi cuidadosamente programada
e estudada em todos os seus pormenores, norteada pelos princípios da
cosmografia e da geografia e facilitada com os novos instrumentos da astronomia
e da geometria, em grande parte inventados ou aperfeiçoados pelos portugueses.
Após a viagem de Vasco da
Gama, outras se seguiram e todo o riquíssimo comércio com o oriente foi
desviado de Veneza para Lisboa, o que transformou esta cidade num grande
empório comercial.
Reconhecendo que esta
prosperidade do reino era essencialmente devida aos progressos da cosmografia,
da astronomia e da navegação, D. Manuel procurou desenvolver estas três ciências,
dispensando-lhe todo o seu carinho e todo o seu apoio. Instituiu mesmo na
Universidade de Lisboa, por alvará de 29 de Outubro de 1513, uma cadeira de
astronomia. O primeiro lente nela provido foi Mestre Filipe, médico do rei, que se manteve em funções até 1521.
Daí em diante, e até à transferência da Universidade para Coimbra (1537), coube
ao físico Tomás Torres essa tarefa;
tratava-se dum castelhano, entre os muitos que vieram para Portugal procurar
fortuna, atraídos pela fama das prodigalidades do nosso monarca. Tomás Torres
deu também aulas de astronomia a D- João III, antes da sua subida ao trono.
Alguns autores atribuem a criação desta
cadeira mais à credulidade de D. Manuel pela astrologia do que à renovação do
espírito científico; estes investigadores afirmam mesmo que D. Manuel era tão
dado á astrologia que, ao partirem para a India as naus de Vasco da Gama,
mandou fazer horóscopos especiais ao famoso astrólogo Diogo Mendes Vizinho e depois a Tomás Torres. A astrologia estava
então bastante em voga e era de bom tom cultivá-la, o que deu lugar a alguns
epigramas por parte de Gil Vicente, que, troçando dos astrólogos, afirmava que
eles confundiam a astronomia com a astrologia.
Entre os matemáticos deste
tempo merece referência especial o insigne navegador Fernão de Magalhães. Este homem ilustre, caido em desgraça junto de
D. Manuel e da côrte, abandonou Portugal
para dar a Castela a glória, que podia ter sido nossa, da realização da
primeira viagem de circum-navegação, que veio provar experimentalmente ser a
Terra redonda e isolada no espaço. Não
quis a sorte que Fernão de Magalhães chegasse ao fim dessa maravilhosa viagem
(morreu em combate nas Filipinas em 1521), mas alguns dos seus companheiros
foram mais felizes e o prórpio navio em que ele partira conseguiu dar a volta
ao mundo.
Outro matemático notável
desta época foi D. Francisco de Melo.
Descendente da velha nobreza, nasceu em Lisboa em 1490; estudou na Universidade
de Paris, onde foi aluno do célebre Pierre
Brissot. Regressado a Portugal, foi encarregado por D. Manuel de várias
missões políticas. Foi nomeado bispo de Goa, mas não chegou a ocupar o cargo,
por entretanto ter falecido em Évora em 1536. Escreveu vários trabalhos sobre
geometria e óptica, dedicados a D. Manuel, que infelizmente não chegaram a
imprimir-se.
Entre os estrangeiros que
nessa época estiveram ao serviço da coroa portuguesa, salienta-se Américo Vespúcio, que se tornou
cosmógrafo de renome mundial, e Abraão
Zacuto, antigo professor de astronomia na Universidade de Salamanca, que
veio para Portugal em 1492, quando os judeus foram expulsos de Espanha. D. João
II nomeou-o seu astrónomo, cargo que conservou com D. Manuel. Mas, quando este,
em 1496, ordenou a expulsão dos judeus, Zacuto fugiu para Tunes e depois foi
para Damasco, onde morreu em 1535 Deve-se
a Zacuto o Almanach Perpetuum,
redigido em hebraico e depois traduzido pelo seu discípulo José Vizinho – o Mestre José, médico do rei –, publicado em Leiria
em 1496, embora já houvessem cópias manuscritas, pelo interesse que
representava para a navegação. Foi este almanaque que serviu de base às nossas
tábuas do Sol, da Lua e dos planetas, conhecidas até 1537, e não as Efemérides
de Regiomontano, como durante muito tempo se afirmou.
Outros nomes importantes
desta época que convém destacar são os de Duarte
Pacheco Pereira, João de Lisboa e Francisco
Faleiro. Os dois primeiros propuseram modificações importantes nas regras
para a determinação das latitudes por meio da observação do Sol ao meio-dia.
Francisco Faleiro, que foi director da Escola Náutica de Sevilha, publicou uma
obra intitulada Tratado de la esfera y
del arte de marear, composta de duas partes: na primeira, fazia uma
descrição da Esfera Celeste; a segunda era dedicada ao estudo da arde de
navegar. Acompanhou Fernão de Magalhães na sua ida para Castela e só não o
acompanhou na sua viagem de circum-navegação por nessa data se encontrar
doente..
Merece ainda referência
especial nesta breve notícia sobre os matemáticos conteporâneos de D. Manuel, o
algarvio Simão Fernandes, que se
notabilizou por ter provado a falsidade do invento do castelhano Filipe
Guilhen, a Arte de Leste a Oeste, uma
espécie de astrolábio que permitia obter a altura do Sol em qualquer instante,
falsidade que escapou ao próprio D. Francisco de Melo, quando o rei lhe pediu
parecer sobre o invento.
Em 1537, D. João III
transferiu novamente a Universidade de Lisboa para Coimbra, por entender, de
acordo com a versão oficial, que a tranquilidade da rainha do Mondego era mais
propícia ao estudo do que a vida tumultuosa duma grande cidade.
Não foram esquecidas as
matemáticas na nova organização universitária, mas também não lhes foi dada a
importância que mereciam, pois apenas lhes foi reservada uma cadeira entre as
40 que, segundo parece, eram ensinadas na Universidade. Os estudos matemáticos
limitavam-se à geometria de Euclides, ao tratado da esfera e à teoria dos
planetas. No entanto, esta deficiência foi compensada pela maneira
verdadeiramente notável como os matemáticos de então cultivavam esta ciência.
Um deles, que deve ser
considerado como o maior de todos, foi Pedro Nunes. Nascido em Alcácer do Sal
em 1502, foi o mais célebre matemático de Portugal e de Espanha e um dos mais
ilustre da Europa do século XVI. De ascendência judaica, estudou nas Universidades
de Lisboa e Salamanca e ter-se-ia licenciado em Artes, Matemática e Medicina.
Cosmógrafo do reino a partir de fins de 1529, passou pouco depois a acumular
estas funções com as de professor de Filosofia Moral, Lógica e Metafísica na
Universidade de Lisboa. Em 1531 foi convidado por D. João III para mestre de
seus irmãos D. Luís e D. Henrique (o futuro cardeal-rei) e mais tarde
encarregado de ensinar D. Sebastião. Foi este mesmo monarca que criou para ele
o lugar de Cosmógrafo-mór do reino, no qual foi investido em 1547. Entretanto,
depois de D. João III ter transferido a Universidade para Coimbra, ocupou o
lugar de professor de matemática e astronomia naquela Universidade, cargo que
exerceu até 1562, ano em que foi jubilado. Morreu em Agosto de 1578, uma semana
após o desastre de Alcácer-Quibir.
São muitos e de grande
valor, os trabalhos científicos de Pedro Nunes. Como Cosmógrafo, não se limitou
a tratar das cartas náuticas e das tábuas e regulamentos para as navegações,
missão principal do seu cargo. Fez muito mais do que isso, pois possuia, além
de grande engenho, um profundo conhecimento da geometria e da astronomia dos
gregos, dos árabes e dos judeus, mas também das obras dos astrónomos alemães
Purbachio e Regiomontano. Por isso, no exercício do seu cargo, não se limitou a
fazer aplicações das regras e métodos que a ciência náutica já dispunha;
explicou-os e melhorou-os, ao mesmo tempo que enriquecia a náutica e a
astronomia com novas invenções.
A sua primeira grande obra,
o Tratado da Esfera, datado de 1537,
é, no fundo, a tradução para português do Tratado da Esfera de Sacrobosco, ao
qual juntou trabalhos de outros autores, incluindo Ptolomeu e alguns originais
seus. Constitui essencialmente a base da sua actividade como Cosmógrafo do
reino, e destinado aos pilotos que tinha por missão preparar. Nela são
desnvolvidas algumas ideias de Ptolomeu, apresentadas regras, tábuas náuticas
(de grande utilidade para determinar diferenças de longitude), descritos alguns
instrumentos para a observação da altura das estrelas e propostos diferentes
processos para determinar a latitude.
A obra mais original é,
certamente, De Crepusculis, impressa
em 1542. Foi escrita na sequência de algumas reflexões sobre assuntos de
astronomia com o Cardeal Infante D. Henrique. Depois de expor algumas noções de
astronomia esférica de que vai ter necessidade, estuda e resolve o problema da
determinação da duração dos crepúsculos num determinado lugar da Terra e para
uma determinada posição do Sol. Em seguida, procura analisar como varia a
duração dos crepúsculos com a latitude do lugar e a declinação do Sol, vindo,
finalmente, a resolver o problema mais complicado da determinação do dia de
crepúsculo mínimo num determinado lugar e a duração desse crepúsculo. Trata-se
dum exemplo de questões de máximos e mínimos, resolvido por Pedro Nunes muito
antes da introdução do cálculo diferencial. É também nesta obra que é descrita
a invenção para avaliar as fracções de grau nos instrumentos astronómicos, a
qual, depois de simplificada e aperfeiçoada, conduziu ao que hoje conhecemos
por nónio.
Numa exposição desta
natureza não nos é possível continuar a fazer referência a muitas outras obras
de Pedro Nunes, em que igualmente são abordados muitos outros problemas de
astronomia.
A obra de Nicolau Copérnico
De Revolutionibus Orbium Coelestium,
onde é apresentado o sistema heliocêntrico, foi publicada em 1543, portanto, no
tempo de Pedro Nunes. O nosso sábio refere-se a ela, mas não se pronuncia sobre
a verdade ou falsidade do novo sistema, deixando a questão, segundo ele, para
os filósofos. Sob o ponto de vista matemático, isto é, como método geométrico
para determinar o movimento dos planetas e prever os fenómenos, exprime o
desejo de que se construam tábuas apropriadas à nova doutrina, a fim de se
verificar se o sistema heliocêntrico pode determinar as posições dos astros com
maior exactidão e simplicidade do que o sistema geocêntrico. Pedro Nunes não
foi hostil à inovação coperniana. Ser-lhe-ia favorável? Não o sabemos. É
preciso notar que estávamos no período da Inquisição, que Pedro Nunes era de
ascendência judaica e, portanto, seria bastante perigoso pronunciar-se a favor.