terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


A ASTRONOMIA EM PORTUGAL NA

ÉPOCA DOS DESCOBRIMENTOS



Ainda durante a primeira dinastia, e após a expulsão dos mouros do território nacional, os nossos monarcas começaram a preocupar-se com a administração interna do reino e a conceder uma certa protecção ao desenvolvimento das artes e das ciências. Assim, D. Dinis fundou em Lisboa, em 1288, as Escolas Gerais, que constituiram a primeira Universidade Portuguesa. Dado que, na época, não se reconhecia utilidade ao estudo das matemáticas, não foram estas incluidas no plano de estudos da nova Universidade, nem mesmo quando esta foi transferida para Coimbra em 1307.
É de admirar que D. Dinis não tivesse tomado a iniciativa de introduzir o estudo das matemáticas em Portugal, porque elas já começavam a desnvolver-se por toda a Europa, em particular na côrte de seu avô, D. Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão, que muito as protegeu e animou nos seus domínios. Aquele monarca fundou em Toledo um observatório astronómico, para onde chamou vários astrónomos, alguns deles judeus e árabes. Dos resultados das observações aí realizadas, foram publicadas, por volta de 1270, as célebres Tábuas Alfonsinas, que continham as posições dos astros já com bastante precisão. Essas tábuas tornaram-se populares no século XIV, foram impressas, por várias vezes, nos séculos XV e XVI, sendo então substituidas pelas elaboradas por Kepler. D. Afonso X ordenou igualmente a tradução para castelhano e latim das mais célebres obras de astronomia até então conhecidas  e que foram reunidas na colecção universalmente conhecida pelo nome de Libros del saber de astronomia del rei  D. Alfonso X de Castilla. É quase certo que deviam ser conhecidas dos portugueses pelo menos desde o tempo de D. Dinis.
Foi no reinado de D. Afonso IV que, verdadeiramente, as ciências exactas começaram a ser cultivadas no nosso País. Diz-se que o próprio monarca se dedicava a especulações matemáticas, em especial à astronomia. Convém esclarecer que estes estudos eram essencialmente canalizados para a astrologia, a qual tinha e tem por finalidade prever o futuro a partir dos signos do zodíaco e das conjunções dos astros, e que se havia desenvolvido na Península, graças às obras astrológicas dos judeus e dos árabes.
O êxito da conquista de Ceuta, em 1415, deu aso a que o Infante D. Henrique procurasse obter dos mouros, não só após a batalha, mas também nas várias vezes que por lá passou, informações relativas ao interior e à costa de Áfirca. Os elementos colhidos, relativos acerca da situação e da riqueza dessas regiões quase incultas, despertaram na sua mente a convicção de ser possível alcançar a India por via marítima, como lhe acenderam o desejo de se tornar célebre com novos descobrimentos que facilitassem a propagação do evangelho naquelas terras remotas, dessem a Portugal novas terras e novas riquezas, e facilitassem uma expansão considerável no nosso comércio.
É com base nestas reflexões arrojadas que se criou o mito da Escola de Sagres, que perdurou durante longo tempo, e D. Henrique ter doado à Universidade de Lisboa um palácio que possuía na cidade para nele se ensinarem as disciplinas do «quadrivium» (astrologia, aritmética, geometria e música). Certamente que D. Henrique doou à Universidade, de que era «protector»,  esse palácio, mas esta Instituição esteve alheada da astronomia até princípios do século XVI. No que diz respeito à Escola de Sagres, alguns investigadores do século passado, nomeadamente Luciano Pereira da Silva e Luís Albuquerque, afirmam que a escola dos nossos primeiros navegadores foram as costaneiras dos barcos em que navegavam.
Também se tem mantido a convicção de que D. Henrique conseguiu trazer para Portugal o célebre cosmógrafo catalão Jácome de Mallorca (aliás, Jafunda Cresques), a fim de instruir os pilotos nas artes de navegar e promover o traçado de cartas geográficas. Esta informação também não está correcta. De facto, Jácome de Mallorca veio para Portugal, mas certamente, só por volta de 1360, de acordo com a data do seu nascimento (cerca de 1325).
Inicialmente, a navegação era feita à vista, pois os navegadores nunca se afastavam muito da costa, como acontecia no Mar Mediterrâneo. Quando se começou a navegar através do mar oceano, sem avistar a costa durante longos períodos, tornou-senecessário recorrer a linhas de rumo magnéticas e as cartas começaram a ser designadas por cartas-portulno, a que os nossos pilotos se foram adaptando.
Rezam as crónicas da época que os reis D. João I e D. Duarte também se  interessavam pelas ciências exactas, em particular pela astronomia e lhes deram todo o seu apoio. São referidas mesmo algumas observações por eles realizadas. Nas suas cortes existiam muitos astrónomos, ou melhor, astrólogos, que cultivavam principalmente a astrologia judiciária. Assim, na côrte de D. Duarte, encontramos Abraham Guedelha, de origem judaica, astrónomo e cosmógrafo do rei, particalarmente dado à astrologia. Parece que, no dia da coroação de D. Duarte, o temível Saturno estava numa posição de mau augúrio. Guedelha suplicou-lhe que adiasse a cerimómia, o que ele recusou. É devido a este facto que os crentes da astrologia lhe previram um reinado curto e infeliz, como de facto veio aacontecer. Pelo contrário, no horóscopo do Infante D. Henrique falava-se da longitude do Sol, de Marte, de Júpiter e de Saturno. Estas predicções e estes horóscopos não eram feitos ao acaso, mas com a ajuda de instrumentos de observação e de tabelas astronómicas, que já existiam na época.
Alguns autores afirmam que também D. Afonso V se dedicava ao estudo da astronomia, fazendo observações e divulgando os resultados. Outros defendem que deve haver confusão com D. Afonso X de Castela, pois nenhum dos cronistas da época que aborda estes assuntos se refere a D. Afonso V. Durante este reinado merece referência especial o astrónomo Juda Iben Verga, autor de umas tabelas astronómicas citadas por Abrham Zacuto , dum tratado de astronomia datado de 1457 (Lisboa), assim como dum estudo sobre vários instrumentos de observação.
No reinado de D. João II continuou a ser notável a protecção dispensada ao estudo das ciências exactas e da navegação. Alguns autores atribuem a este monarca a instituição duma  Junta dos Matemáticos, espécie de conselho técnico do rei, a qual tinha por missão estudar, simplificar e aperfeiçoar os instrumentos e os métodos usados na cosmografia e na astronomia, propôr outros e estabelecer as normas relativas à navegação. A criação desta Junta, que parece ter ocorrido em 1481, deve-se ao desejo  de consagrar todos os seus esforços ao desenvolvimento das viagens marítimas, em especial a descoberta do Caminho Marítimo para a India e de estabelecer contacos com o lendário Prestes João, rei dum país da África Oriental.
Quanto à organização da Junta, seu funcionamento e posterior dissolução, pouco se conhece de concreto. Tudo isso se encontra envolvido numa espécie de áurea de mistério, devido ao excessivo cuidado com que eram guardados os segredos das viagens, terras descobertas e métodos de navegar, para evitar que os estranjeiros deles tivessem conhecimento. Dela teriam feito parte o alemão Martim de Behaim (vulgarmente conhecido por Martinho da Boémia), os dois judeus José e Rodrigo, médicos do rei, o sábio Calçadilha, bispo de Viseu, e o castelhano D. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta. As reuniões efectuavam-se em casa de Pedro de Alcáçova, a maior parte das vezes com a presença do rei. Era aí que as pessoas incumbidas de novas missões iam receber os instrumentos e as instruções convenientes. para o seu desmpenho. Entre os trabalhos realizados pela Junta citavam-se a preparação das tábuas do Sol, o desenho e actualização das cartas-portulano, e a apreciação dos projectos apresentados pelos navegadores, relativos às suas viagens.
Um dos primeiros trabalhos da Junta foi apreciar o plano da viagem de Cristóvão Colombo, destinado a alcançar a India, navegando sempre para ocidente, a que, como se sabe, foi dado parecer negativo. Esta decisão da Junta tem sido um pouco criticada; porém, o conhecimento que os geógrafos portugueses tinham das dimensões do globo terrestre, levavam a concluir que uma tal empresa era inútil e arriscada, pois, em seu entender, a rota mais curta e mais segura seria a de contornar o continente africano. Desconhecia-se ainda a existência da América.
Existem algumas controvérsias em relação a alguns membros da Junta. Assim, Calçadilha e D. Diogo Ortiz seriam a mesma pessoa, isto é, D. Diogo Ortiz, natural de Calçadilha (perto de Salamanca), sucessivamente bispo de Ceuta e de Viseu.
Relativamente ao alemão Martim de Behaim, pertencente a uma nobre família alemã e que se dizia discípulo do afamado astrónomo Jean de Koenisberg, mais conhecido pelo nome de Regiomontano, parece ter vindo para Portugal durante o reinado de D. Afonso V, depois da morte do Infante. Os seus compatriotas atribuem-lhe numerosas descobertas e a introdução em Portugal de vários instrumentos náuticos, entre eles o astrolábio náutico, o quadrante e a balestilha. Porém, o astrolábio náutico já era conhecido na Península havia dois séculos (encontra-se descrito nos livros de D. Afonso X de Castela); o quadrante já era igualmente conhecido antes da sua vinda; a balestilha só começou a ser utilizada pelos nossos navegadores por volta de 1530. É possível que Martim de Behaim tenha trazido para Portugal as Efemérides e as tábuas náuticas de Regiomontano. Mas, mesmo neste domínio, em Portugal já havia muito tempo que se fazia trabalho semelhante.
Alguns investigadores duvidam da existência da Junta dos Matemáticos como uma instituição permanente. Entendem eles que D. João II se limitava apenas em ter à sua disposição alguns homens entendidos em determinados ramos do saber, como a geografia, a astronomia e a cartografia, aos quais recorria, como melhor lhe convinha, para resolver determinadas tarefas relacionadas com os descobrimentos. Entre esses homens salienta-se também, além dos já mencionados, Duarte Pacheco Pereira, que, ao seu serviço, reconheceu os lugares e rios da costa da Guiné, participou na Conferência de Tordesilhas (1494) e, mais tarde, escreveu o Esmeraldo de situ orbis, fruto do seu muito saber e experiência. Naquele livro, cujos primeiros 14 capítulos foram escritos em 1505, são feitas descrições do astrolábio e do quadrante, os dois instrumentos utilizados para determinar a altura dos astros, usados pelos  nossos navegadores até ao século XV.
Desaparecido D. João II, foi no reinado do sucessor, seu primo D. Manuel I, que veio finalmente a concretizar-se a grande empresa idealizada pelo Infante D. Henrique: logo no início do seu reinado Vasco da Gama descobriu o Caminho Marítimo para a India.
Esta empresa, como hoje se reconhece, não foi obra do acaso; pelo contrário, foi cuidadosamente programada e estudada em todos os seus pormenores, norteada pelos princípios da cosmografia e da geografia e facilitada com os novos instrumentos da astronomia e da geometria, em grande parte inventados ou aperfeiçoados pelos portugueses.
Após a viagem de Vasco da Gama, outras se seguiram e todo o riquíssimo comércio com o oriente foi desviado de Veneza para Lisboa, o que transformou esta cidade num grande empório comercial.
Reconhecendo que esta prosperidade do reino era essencialmente devida aos progressos da cosmografia, da astronomia e da navegação, D. Manuel procurou desenvolver estas três ciências, dispensando-lhe todo o seu carinho e todo o seu apoio. Instituiu mesmo na Universidade de Lisboa, por alvará de 29 de Outubro de 1513, uma cadeira de astronomia. O primeiro lente nela provido foi Mestre Filipe, médico do rei, que se manteve em funções até 1521. Daí em diante, e até à transferência da Universidade para Coimbra (1537), coube ao físico Tomás Torres essa tarefa; tratava-se dum castelhano, entre os muitos que vieram para Portugal procurar fortuna, atraídos pela fama das prodigalidades do nosso monarca. Tomás Torres deu também aulas de astronomia a D- João III, antes da sua subida ao trono.
 Alguns autores atribuem a criação desta cadeira mais à credulidade de D. Manuel pela astrologia do que à renovação do espírito científico; estes investigadores afirmam mesmo que D. Manuel era tão dado á astrologia que, ao partirem para a India as naus de Vasco da Gama, mandou fazer horóscopos especiais ao famoso astrólogo Diogo Mendes Vizinho e depois a Tomás Torres. A astrologia estava então bastante em voga e era de bom tom cultivá-la, o que deu lugar a alguns epigramas por parte de Gil Vicente, que, troçando dos astrólogos, afirmava que eles confundiam a astronomia com a astrologia.
Entre os matemáticos deste tempo merece referência especial o insigne navegador Fernão de Magalhães. Este homem ilustre, caido em desgraça junto de D. Manuel  e da côrte, abandonou Portugal para dar a Castela a glória, que podia ter sido nossa, da realização da primeira viagem de circum-navegação, que veio provar experimentalmente ser a Terra redonda e isolada no espaço.  Não quis a sorte que Fernão de Magalhães chegasse ao fim dessa maravilhosa viagem (morreu em combate nas Filipinas em 1521), mas alguns dos seus companheiros foram mais felizes e o prórpio navio em que ele partira conseguiu dar a volta ao mundo.
Outro matemático notável desta época foi D. Francisco de Melo. Descendente da velha nobreza, nasceu em Lisboa em 1490; estudou na Universidade de Paris, onde foi aluno do célebre Pierre Brissot. Regressado a Portugal, foi encarregado por D. Manuel de várias missões políticas. Foi nomeado bispo de Goa, mas não chegou a ocupar o cargo, por entretanto ter falecido em Évora em 1536. Escreveu vários trabalhos sobre geometria e óptica, dedicados a D. Manuel, que infelizmente não chegaram a imprimir-se.
Entre os estrangeiros que nessa época estiveram ao serviço da coroa portuguesa, salienta-se Américo Vespúcio, que se tornou cosmógrafo de renome mundial, e Abraão Zacuto, antigo professor de astronomia na Universidade de Salamanca, que veio para Portugal em 1492, quando os judeus foram expulsos de Espanha. D. João II nomeou-o seu astrónomo, cargo que conservou com D. Manuel. Mas, quando este, em 1496, ordenou a expulsão dos judeus, Zacuto fugiu para Tunes e depois foi para Damasco, onde morreu em 1535  Deve-se a Zacuto o Almanach Perpetuum, redigido em hebraico e depois traduzido pelo seu discípulo José Vizinho – o Mestre José, médico do rei –, publicado em Leiria em 1496, embora já houvessem cópias manuscritas, pelo interesse que representava para a navegação. Foi este almanaque que serviu de base às nossas tábuas do Sol, da Lua e dos planetas, conhecidas até 1537, e não as Efemérides de Regiomontano, como durante muito tempo se afirmou.
Outros nomes importantes desta época que convém destacar são os de Duarte Pacheco Pereira, João de Lisboa e Francisco Faleiro. Os dois primeiros propuseram modificações importantes nas regras para a determinação das latitudes por meio da observação do Sol ao meio-dia. Francisco Faleiro, que foi director da Escola Náutica de Sevilha, publicou uma obra intitulada Tratado de la esfera y del arte de marear, composta de duas partes: na primeira, fazia uma descrição da Esfera Celeste; a segunda era dedicada ao estudo da arde de navegar. Acompanhou Fernão de Magalhães na sua ida para Castela e só não o acompanhou na sua viagem de circum-navegação por nessa data se encontrar doente..
Merece ainda referência especial nesta breve notícia sobre os matemáticos conteporâneos de D. Manuel, o algarvio Simão Fernandes, que se notabilizou por ter provado a falsidade do invento do castelhano Filipe Guilhen, a Arte de Leste a Oeste, uma espécie de astrolábio que permitia obter a altura do Sol em qualquer instante, falsidade que escapou ao próprio D. Francisco de Melo, quando o rei lhe pediu parecer sobre o invento.
Em 1537, D. João III transferiu novamente a Universidade de Lisboa para Coimbra, por entender, de acordo com a versão oficial, que a tranquilidade da rainha do Mondego era mais propícia ao estudo do que a vida tumultuosa duma grande cidade.
Não foram esquecidas as matemáticas na nova organização universitária, mas também não lhes foi dada a importância que mereciam, pois apenas lhes foi reservada uma cadeira entre as 40 que, segundo parece, eram ensinadas na Universidade. Os estudos matemáticos limitavam-se à geometria de Euclides, ao tratado da esfera e à teoria dos planetas. No entanto, esta deficiência foi compensada pela maneira verdadeiramente notável como os matemáticos de então cultivavam esta ciência.
Um deles, que deve ser considerado como o maior de todos, foi Pedro Nunes. Nascido em Alcácer do Sal em 1502, foi o mais célebre matemático de Portugal e de Espanha e um dos mais ilustre da Europa do século XVI. De ascendência judaica, estudou nas Universidades de Lisboa e Salamanca e ter-se-ia licenciado em Artes, Matemática e Medicina. Cosmógrafo do reino a partir de fins de 1529, passou pouco depois a acumular estas funções com as de professor de Filosofia Moral, Lógica e Metafísica na Universidade de Lisboa. Em 1531 foi convidado por D. João III para mestre de seus irmãos D. Luís e D. Henrique (o futuro cardeal-rei) e mais tarde encarregado de ensinar D. Sebastião. Foi este mesmo monarca que criou para ele o lugar de Cosmógrafo-mór do reino, no qual foi investido em 1547. Entretanto, depois de D. João III ter transferido a Universidade para Coimbra, ocupou o lugar de professor de matemática e astronomia naquela Universidade, cargo que exerceu até 1562, ano em que foi jubilado. Morreu em Agosto de 1578, uma semana após o desastre de Alcácer-Quibir.
São muitos e de grande valor, os trabalhos científicos de Pedro Nunes. Como Cosmógrafo, não se limitou a tratar das cartas náuticas e das tábuas e regulamentos para as navegações, missão principal do seu cargo. Fez muito mais do que isso, pois possuia, além de grande engenho, um profundo conhecimento da geometria e da astronomia dos gregos, dos árabes e dos judeus, mas também das obras dos astrónomos alemães Purbachio e Regiomontano. Por isso, no exercício do seu cargo, não se limitou a fazer aplicações das regras e métodos que a ciência náutica já dispunha; explicou-os e melhorou-os, ao mesmo tempo que enriquecia a náutica e a astronomia com novas invenções.
A sua primeira grande obra, o Tratado da Esfera, datado de 1537, é, no fundo, a tradução para português do Tratado da Esfera de Sacrobosco, ao qual juntou trabalhos de outros autores, incluindo Ptolomeu e alguns originais seus. Constitui essencialmente a base da sua actividade como Cosmógrafo do reino, e destinado aos pilotos que tinha por missão preparar. Nela são desnvolvidas algumas ideias de Ptolomeu, apresentadas regras, tábuas náuticas (de grande utilidade para determinar diferenças de longitude), descritos alguns instrumentos para a observação da altura das estrelas e propostos diferentes processos para determinar a latitude.
A obra mais original é, certamente, De Crepusculis, impressa em 1542. Foi escrita na sequência de algumas reflexões sobre assuntos de astronomia com o Cardeal Infante D. Henrique. Depois de expor algumas noções de astronomia esférica de que vai ter necessidade, estuda e resolve o problema da determinação da duração dos crepúsculos num determinado lugar da Terra e para uma determinada posição do Sol. Em seguida, procura analisar como varia a duração dos crepúsculos com a latitude do lugar e a declinação do Sol, vindo, finalmente, a resolver o problema mais complicado da determinação do dia de crepúsculo mínimo num determinado lugar e a duração desse crepúsculo. Trata-se dum exemplo de questões de máximos e mínimos, resolvido por Pedro Nunes muito antes da introdução do cálculo diferencial. É também nesta obra que é descrita a invenção para avaliar as fracções de grau nos instrumentos astronómicos, a qual, depois de simplificada e aperfeiçoada, conduziu ao que hoje conhecemos por nónio.
Numa exposição desta natureza não nos é possível continuar a fazer referência a muitas outras obras de Pedro Nunes, em que igualmente são abordados muitos outros problemas de astronomia.
A obra de Nicolau Copérnico De Revolutionibus Orbium Coelestium, onde é apresentado o sistema heliocêntrico, foi publicada em 1543, portanto, no tempo de Pedro Nunes. O nosso sábio refere-se a ela, mas não se pronuncia sobre a verdade ou falsidade do novo sistema, deixando a questão, segundo ele, para os filósofos. Sob o ponto de vista matemático, isto é, como método geométrico para determinar o movimento dos planetas e prever os fenómenos, exprime o desejo de que se construam tábuas apropriadas à nova doutrina, a fim de se verificar se o sistema heliocêntrico pode determinar as posições dos astros com maior exactidão e simplicidade do que o sistema geocêntrico. Pedro Nunes não foi hostil à inovação coperniana. Ser-lhe-ia favorável? Não o sabemos. É preciso notar que estávamos no período da Inquisição, que Pedro Nunes era de ascendência judaica e, portanto, seria bastante perigoso pronunciar-se a favor.

domingo, 17 de fevereiro de 2013


 
TUNGUSKA (O acontecimento de)

 

A propósito do meteorito caído no passado dia 14 de Fevereiro em Cheliabinsk (Rússia), junto à fronteira com o Cazaquistão, e que provocou uma enorme onda de destroços e mais de 1000 feridos, veio-me à memória um caso semelhante ocorrido há pouco mais de um século: O acontecimento de Tunguska.

Tratou-se dum enorme cataclismo ocorrido na manhã do dia 30 de Junho de 1908 na região montanhosa e arborizada do rio Tunguska, na Sibéria Central, 800 km a noroeste do lago Baikal. Uma gigantesca bola de fogo foi observada por alguns camponeses aterrorizados e a violenta explosão, que se deu em seguida, foi ouvida a mais de 800 km de distância. Num raio de 600 km, a partir do ponto de queda, os condutores dos comboios, assustados, pararam as suas composições. Os fragmentos do bólide devastaram o terreno numa área circular de 80 km de diâmetro. Os abetos, atingidos pela violenta deslocação do ar, foram arrancados, cortados e incendiados num raio de 10 km. A onda de choque foi sentida em Washington e em Java e durante as noites seguintes, na Europa, na Ásia e na América, o céu apresentou uma luminosidade estranha, que persistiu durante cerca de dois meses, provocada pelas nuvens de poeira que flutuavam a cerca de 80 km de altura.

Foram escavadas mais de 200 crateras, de 1 a 5 metros de diâmetro, atualmente cheias de água. Segundo o astrónomo soviético Astapovitch, o bólide pesaria, provavelmente, um milhão de toneladas quando entrou na atmosfera. Penetrou nela a uma velocidade de 60 km/s e o calor gerado pelo contacto com as moléculas de ar, devia ter sido da ordem de 5×1020 calorias. A elevada temperatura atingida pelo bólide provocou gradualmente a fusão das camadas superficiais, depois a sua volatilização, de maneira que, quando chegou perto do solo, deveria ter apenas 40 000 ou 50 000 toneladas. Apesar de não terem sido encontradas grandes pedaços do bólide, que explodiu no ar, parece que as amostras do solo da região contêm lascas microscópicas e esférulas de poeira de ferro-níquel.

A ausência de uma grande cratera e de evidências diretas do objeto, que teria provocado a explosão, levou a serem formuladas diversas teorias para explicar a ocorrência. Apesar de ser ainda um assunto em debate, de acordo com alguns estudos recentes a destruição teria sido provocada pelas massas de ar após a explosão de um meteoroide ou de um fragmento de cometa a uma altitude de 5 a 10 km de altitude, devido ao atrito provocado pela sua entrada na atmosfera. O corpo deveria ter um diâmetro de algumas dezenas de metros e a energia da explosão deveria ser da ordem de 10 a 15 megatoneladas de TNT, isto é, cerca de 1000 vezes a bomba de Hiroshima, tendo provocando um sismo que se prevê ser da ordem de grau 5 na escala de Richter.

Relativamente à natureza do corpo, a questão continua a ser debatida. Em 1930, o astrónomo norte-americano Fred Whipple sugeriu que teria sido um pequeno cometa, um objeto essencialmente constituído por gelo e poeiras, que se teria vaporizado completamente na atmosfera, não deixando traços visíveis. Esta hipótese recebeu uma aceitação considerável, em virtude do brilho noturno, que se observou no céu durante muitas noites, poderia ser explicado pela luz do Sol refletida no gelo e nas poeiras dispersas pela cauda do cometa na alta atmosfera.

Em 1978, o astrónomo eslovaco Lubor Kresák sugeriu que talvez se tratasse dum fragmento do cometa Encke, responsável pela chuva de meteoros conhecida por β Táuridas. A ocorrência coincidiu com um pico de atividade da referida chuva e a trajetória estimada do corpo que provocou a explosão está de acordo com a que tomaria um fragmento de cometa.

Em 1983, o astrónomo checo Zdnek Sekanina publicou alguns artigos criticando a hipótese cometária. Segundo ele, se se tratasse dum corpo cometário, seguindo a trajetória observada, ele ter-se-ia desintegrado a grande altitude e não na baixa atmosfera como, de facto, aconteceu. Sugeriu que deveria tratar-se dum corpo mais denso, de natureza rochosa, provavelmente um fragmento de asteroide. Esta hipótese é igualmente defendida por outros astrónomos, visto que a sua trajetória leva a concluir tratar-se dum corpo vindo da cintura de asteroides. A grande dificuldade em aceitar esta teoria é que se trataria dum corpo rochoso e teria dado origem a uma enorme cratera e esta nunca foi encontrada. Porém, na década de 1990, alguns investigadores italianos extraíram resina de algumas árvores na zona de impacto e encontraram altas taxas de metais existentes nos asteroides e raramente nos cometas. Daqui toda a confusão acerca da sua natureza.

Várias outras teorias têm sido apresentadas, embora de pouca aceitação. Destacamos: choque com um mini buraco negro, choque com um pedaço de antimatéria, encontro com uma neve extraterrestre, etc. Dado que estas hipóteses não nos parecem ser aceitáveis, não lhe daremos qualquer desenvolvimento.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

 
O TRATADO DE TORDESILHAS
 
Quando Cristóvão Colombo regressou da América, após a sua primeira viagem (1493), D. João II fez saber aos Reis Católicos que as terras por ele descobertas pertenciam à coroa portuguesa, por se situarem a sul das ilhas Canárias, em conformidade com o Tratado de Alcáçovas, celebrado em 1479[1].

Com descoberta de Colombo, tudo se complicou. Embora se julgasse que as mesmas pertenciam a Portugal, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, a pretexto de terem sido eles os armadores da expedição, recorreram ao Papa Alexandre VI (o aragonês Rodrigo Bórgia) para que este lhes reconhecesse, como árbitro, essa posse, desenvolvendo nesse sentido grande atividade diplomática. Apressadamente o Papa, pela bula Inter Coetera II, marcou uma linha divisória de Pólo a Pólo, que passaria 100 léguas a ocidente da ilha mais ocidental dos Açores ou de Cabo Verde (certamente por sugestão de Colombo); a parte oriental ficaria para Portugal e a ocidental para Castela. D. João II recusou a decisão e projetou logo tratar diretamente do assunto com os Reis Católicos.
Após alguns contatos exploratórios, foi decidido realizar uma reunião em Tordesilhas com representantes dos dois países. Os Reis Católicos acabaram por renunciar à linha traçada por Alexandre VI e aceitaram outra da delegação portuguesa. Considerava-se a Terra dividida em duas zonas de influência: a ocidental atribuída a Castela, a oriental a Portugal. A divisão era feita ao longo dum meridiano traçado 370 léguas a oeste de Cabo Verde. O tratado foi assinado em Tordesilhas pelas respetivas delegações em 7 de Junho de 1494 e posteriormente ratificado pelos Reis Católicos e por D. João II. A pedido de D. Manuel, em 1506 o tratado foi sancionado pelo Papa Júlio II.
 Esta linha deveria ser fixada no prazo de 10 meses, o que acabara por não acontecer, especialmente por dificuldades técnicas. Assim, o meridiano de Tordesilhas nunca foi demarcado porque só muito mais tarde é que se começou a dispor de equipamento para o poder fazer, nomeadamente para a medição do tempo.

Também o tratado não dizia qual a ilha que deveria servir de ponto de referência para começar a contar as 370 léguas nem se as mesmas eram contadas ao longo do equador ou ao longo dum paralelo médio de Cabo Verde, isto é, cerca de 16º norte e estas questões tinham uma importância relevante na localização do referido meridiano. Notar também que se trata duma légua antiga, que teria cerca de 6600 de extensão. 
Ao impor mais essas 270 léguas em relação à proposta castelhana de 100 léguas, Portugal salvaguardava para si a rota africana do sudoeste em que havia muito tempo andava empenhado (em todo o Atlântico Sul, que para essa rota era necessário, devido à larga curva de navegação oceânica). É também provável que D. João II tivesse informações acerca de terras situadas a ocidente. Chegados a entendimento, Castela reservou para si as novas terras descobertas por Colombo e que sustentava ser a Índia.
De início, não surgiram problemas a ocidente. Mas, no século XVI, durante o reinado de D. João III, acentuaram-se os conflitos a oriente, ao longo do antimeridiano de Tordesilhas, sobre a posse das Ilhas Molucas. Estas ilhas cairiam no hemisfério castelhano se a contagem das 370 léguas fosse feita a partir da ilha cabo-verdiana mais próxima do continente africano e no hemisfério de Portugal se as mesmas fossem contadas a partir da ilha mais ocidental. Notar que as Ilhas de Cabo Verde se estendem por quase 3º em longitude, o que representa quase 50 milhas de extensão este-oeste. Dada esta incerteza e ao interesse que Portugal tinha sobre estas ilhas, devido a serem muito ricas em especiarias, D. João III decidiu comprar a Carlos V o direito de posse das mesmas por uma quantia avultada, de que aliás não dispunha nessa altura (Tratado de Saragoça, 1529).
É durante os anos de 1735 a 1737, com o assalto dos espanhóis à Colónia do Sacramento, na margem esquerda do Rio da Prata,  e a sua heroica defesa pelos portugueses, que o problema dos limites entre a América portuguesa e a espanhola se apresenta com toda a sua acuidade. Mas muito antes, D. João V, movido por bom conselho e rara previsão, procurava discretamente estabelecer as bases científicas do problema ou, por outras palavras, averiguar até que ponto a Colónia do Sacramento estava fora da soberania portuguesa, delimitada pelo meridiano de Tordesilhas.
Com efeito, o monarca mandara contratar em Itália, para o servirem como astrónomos ou, mais exatamente com técnicos de observação de longitudes, os Padres João Baptista Carbone e Domingos Capassi, da Companhia de Jesus, que, em Setembro de 1722 chegaram a Lisboa. Chamava-se-lhes então os «Padres Matemáticos». Após uma estadia de cerca de 7 anos, em Novembro de 1729 embarcaram para o Brasil os Padres Diogo Soares e Domingos Capassi (o Padre Carbone ficou na corte em Portugal como secretário de D. João V e professor dos filhos), a fim de fazerem levantamentos cartográficos de diversas zonas daquela colónia, em particular daquelas que podiam levantar dúvidas.
Os princípios consagrados pelo Tratado de Tordesilhas mantiveram sempre a sua validade na arbitragem das disputas luso-espanholas na América latina até à sua efetiva revogação pelos Tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), que fixaram as fronteiras do Brasil com as colónias espanholas que se mantiveram, com pequenas alterações, até à atualidade.

Com os dados de que dispomos atualmente e tomando como referência a ilha mais ocidental de Cabo Verde, o meridiano de Tordesilhas passa, em território brasileiro, por Belém do Pará e  por Laguna, em Santa Catarina. Nestas condições, a superfície do Brasil teria sido três vezes menor do que a atual se se tivesse em consideração o Tratado de Tordesilhas. Assim, a Colónia do Sacramento era, à data do conflito, nitidamente em território espanhol.
 


[1] De acordo com este tratado, D Afonso V reconhecia a Castela a posse das Ilhas Canárias (disputa que se arrastava desde o tempo de D. Afonso IV) e os Reis Católicos concordavam que Portugal ficasse com a Guiné, bem como com as ilhas achadas ou por achar , a sul do paralelo das Ilhas Canárias.