sábado, 2 de fevereiro de 2013

 
O TRATADO DE TORDESILHAS
 
Quando Cristóvão Colombo regressou da América, após a sua primeira viagem (1493), D. João II fez saber aos Reis Católicos que as terras por ele descobertas pertenciam à coroa portuguesa, por se situarem a sul das ilhas Canárias, em conformidade com o Tratado de Alcáçovas, celebrado em 1479[1].

Com descoberta de Colombo, tudo se complicou. Embora se julgasse que as mesmas pertenciam a Portugal, Isabel de Castela e Fernando de Aragão, a pretexto de terem sido eles os armadores da expedição, recorreram ao Papa Alexandre VI (o aragonês Rodrigo Bórgia) para que este lhes reconhecesse, como árbitro, essa posse, desenvolvendo nesse sentido grande atividade diplomática. Apressadamente o Papa, pela bula Inter Coetera II, marcou uma linha divisória de Pólo a Pólo, que passaria 100 léguas a ocidente da ilha mais ocidental dos Açores ou de Cabo Verde (certamente por sugestão de Colombo); a parte oriental ficaria para Portugal e a ocidental para Castela. D. João II recusou a decisão e projetou logo tratar diretamente do assunto com os Reis Católicos.
Após alguns contatos exploratórios, foi decidido realizar uma reunião em Tordesilhas com representantes dos dois países. Os Reis Católicos acabaram por renunciar à linha traçada por Alexandre VI e aceitaram outra da delegação portuguesa. Considerava-se a Terra dividida em duas zonas de influência: a ocidental atribuída a Castela, a oriental a Portugal. A divisão era feita ao longo dum meridiano traçado 370 léguas a oeste de Cabo Verde. O tratado foi assinado em Tordesilhas pelas respetivas delegações em 7 de Junho de 1494 e posteriormente ratificado pelos Reis Católicos e por D. João II. A pedido de D. Manuel, em 1506 o tratado foi sancionado pelo Papa Júlio II.
 Esta linha deveria ser fixada no prazo de 10 meses, o que acabara por não acontecer, especialmente por dificuldades técnicas. Assim, o meridiano de Tordesilhas nunca foi demarcado porque só muito mais tarde é que se começou a dispor de equipamento para o poder fazer, nomeadamente para a medição do tempo.

Também o tratado não dizia qual a ilha que deveria servir de ponto de referência para começar a contar as 370 léguas nem se as mesmas eram contadas ao longo do equador ou ao longo dum paralelo médio de Cabo Verde, isto é, cerca de 16º norte e estas questões tinham uma importância relevante na localização do referido meridiano. Notar também que se trata duma légua antiga, que teria cerca de 6600 de extensão. 
Ao impor mais essas 270 léguas em relação à proposta castelhana de 100 léguas, Portugal salvaguardava para si a rota africana do sudoeste em que havia muito tempo andava empenhado (em todo o Atlântico Sul, que para essa rota era necessário, devido à larga curva de navegação oceânica). É também provável que D. João II tivesse informações acerca de terras situadas a ocidente. Chegados a entendimento, Castela reservou para si as novas terras descobertas por Colombo e que sustentava ser a Índia.
De início, não surgiram problemas a ocidente. Mas, no século XVI, durante o reinado de D. João III, acentuaram-se os conflitos a oriente, ao longo do antimeridiano de Tordesilhas, sobre a posse das Ilhas Molucas. Estas ilhas cairiam no hemisfério castelhano se a contagem das 370 léguas fosse feita a partir da ilha cabo-verdiana mais próxima do continente africano e no hemisfério de Portugal se as mesmas fossem contadas a partir da ilha mais ocidental. Notar que as Ilhas de Cabo Verde se estendem por quase 3º em longitude, o que representa quase 50 milhas de extensão este-oeste. Dada esta incerteza e ao interesse que Portugal tinha sobre estas ilhas, devido a serem muito ricas em especiarias, D. João III decidiu comprar a Carlos V o direito de posse das mesmas por uma quantia avultada, de que aliás não dispunha nessa altura (Tratado de Saragoça, 1529).
É durante os anos de 1735 a 1737, com o assalto dos espanhóis à Colónia do Sacramento, na margem esquerda do Rio da Prata,  e a sua heroica defesa pelos portugueses, que o problema dos limites entre a América portuguesa e a espanhola se apresenta com toda a sua acuidade. Mas muito antes, D. João V, movido por bom conselho e rara previsão, procurava discretamente estabelecer as bases científicas do problema ou, por outras palavras, averiguar até que ponto a Colónia do Sacramento estava fora da soberania portuguesa, delimitada pelo meridiano de Tordesilhas.
Com efeito, o monarca mandara contratar em Itália, para o servirem como astrónomos ou, mais exatamente com técnicos de observação de longitudes, os Padres João Baptista Carbone e Domingos Capassi, da Companhia de Jesus, que, em Setembro de 1722 chegaram a Lisboa. Chamava-se-lhes então os «Padres Matemáticos». Após uma estadia de cerca de 7 anos, em Novembro de 1729 embarcaram para o Brasil os Padres Diogo Soares e Domingos Capassi (o Padre Carbone ficou na corte em Portugal como secretário de D. João V e professor dos filhos), a fim de fazerem levantamentos cartográficos de diversas zonas daquela colónia, em particular daquelas que podiam levantar dúvidas.
Os princípios consagrados pelo Tratado de Tordesilhas mantiveram sempre a sua validade na arbitragem das disputas luso-espanholas na América latina até à sua efetiva revogação pelos Tratados de Madrid (1750) e de Santo Ildefonso (1777), que fixaram as fronteiras do Brasil com as colónias espanholas que se mantiveram, com pequenas alterações, até à atualidade.

Com os dados de que dispomos atualmente e tomando como referência a ilha mais ocidental de Cabo Verde, o meridiano de Tordesilhas passa, em território brasileiro, por Belém do Pará e  por Laguna, em Santa Catarina. Nestas condições, a superfície do Brasil teria sido três vezes menor do que a atual se se tivesse em consideração o Tratado de Tordesilhas. Assim, a Colónia do Sacramento era, à data do conflito, nitidamente em território espanhol.
 


[1] De acordo com este tratado, D Afonso V reconhecia a Castela a posse das Ilhas Canárias (disputa que se arrastava desde o tempo de D. Afonso IV) e os Reis Católicos concordavam que Portugal ficasse com a Guiné, bem como com as ilhas achadas ou por achar , a sul do paralelo das Ilhas Canárias.

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