O TEMPO E A SUA MEDIDA
Desde que o homem, nas mais remotas idades da história, começou a medir o
tempo, utilizou sempre duas unidades naturais que ainda hoje, embora tenham
perdido parte do seu valor metrológico, continuam a ter extraordinária importanância
e, seguramente, continuarão a tê-la pelos séculos fora, dada a sua capital
influência sobre toda a actividade humana. São estas medidas naturais: o dia e
o ano. A primeira é o intervalo de tempoque regula a sucessão dos dias e das
noites; a segundo, o ano, regula a sequência das estações.
Inicialmente, o homem utilizavaapenas estas unidades para contar o tempo,
sem ter a preocupação de recorrer a outras, maiores ou menores, isto é, sem
utilizar os múltiplos nem introduzir qualquer divisão das mesmas, excepto
aquela, também natural, de dividir o dia em duas partes, o dia propriamente
dito e a noite.
As duas unidades, dia e ano, são evidentemente determinadas por fenómenos
astronómicoa. A primeira é uma consequência do movimento aparente do Sol, juntamente
com a esfera celeste, em torno do que chamamos o eixo do mundo: movimento
aparente devido, na realidade, ao movimento de rotação da Terra em torno do seu
eixo. A segunda, o ano, é determinada pelo deslocamento do Sol na esfera
celeste em relação às estrelas, deslocamento devido, na verdade, ao movimento
de translação da Terra em torno do Sol e
em vista do qual os dias e as noites não têm sempre a mesma duração, nem os
raios solares chegam sempre às diferentes regiões da Terra com a mesma inclinação.
Mas, à medida que a sociedade humana se foi aperfeiçoando, as relações
sociais foram crescendo e, em geral, se foi desenvolvendo a civilização e a
ciência; o homem viu-se então obrigado a procurar medidas de tempo de duração
inferior ao dia, a substituir medidas de duração variável por outras mais
constantes, a idealizar aparelhos para medir o tempo nessas unidades e a
definir concretamente qual o seu valor num determinado instante. Mas em todas
estas sucessivas etapas nunca perdeu de vista a origem astronómica da unidade
de tempo.
Como as actividades ordinárias do homem primitivo estavam inteiramente
dependentes da luz solar, é natural supor que tenha sido o intervalo de tempo
entre o nascimento e o ocaso do Sol a primeira medida de tempo por ele utilizada.
Cada um dos dois períodos, luz e escuridão, acabou por ser dividida em 12 horas temporárias, iniciadas,
respectivamente, ao nascer e ao pôr-do-sol. Ao verificar mais tarde que as
trevas não eram, como se julgavam, uma entidade objectiva e que o nascimento e
o ocaso dos astros eram devidos à rotação da Terra e que esta era praticamente
constante, passou ela então a ser a base de toda a medida de tempo.
Mas o tempo solar verdadediro continua a não ser uma medida uniforme de
tempo. Isso resulta da não uniformidade do movimento do Sol em ascensão recta,
proveniente da inclinação da órbita do Sol sobre a eclíptica e do facto de não
ser constante a sua velocidade angular. Para se ter uma medida constante do
dia, imaginou-se um sol médio fictício movendo-se ao longo do equador, no
sentido directo, com movimento uniforme e demorando o mesmo tempo que o Sol
verdadeiro leva a percorrer a eclíptica. À diferença entre os ângulos horários
dos dois astros dá-se o nome de equação
do tempo.
A substituição de tempo verdadeiro pelo tempo médio iniciou-se em fins de
do século XVIII. Reconheceu-se em seguida que a reforma adoptada não era
suficiente, pois quer o tempo solar verdadeiro quer o tempo solar médio são
tempos locais: apenas os lugares situados no mesmo meridiano possuem tempos
iguais. Assim, com o desenvolvimento das comunicações, cedo se constatou a
necessidade de unificar a hora para um país inteiro. Esta hora única, fixada
por lei, e por essa razão chamada hora
legal, era geralmente baseada na hora do observatório principal do país. Em
Inglaterra, a hora legal adoptada era a do tempo médio do Observatório de
Greenwich; em Espanha a do Observatório de S. Fernando; em Portugal, a do
Observatório da Tapada.
Uniformizada a hora nos diferentes países, restava agora proceder à sua
unificação em toda a Terra, dado o notável incremento entretanto tomado pelas
comunicações internacionais. Para este efeito, a Conferência do Meridiano,
realizada em Washington em 1884, decidiu adoptar um sistema planeado por
Stanford Fleming alguns anos antes. De acordo com este sistema, a Terra foi
dividida em 24 fusos horários, cada um deles com a extensão de 15º em longitude
e uma hora única correspondente à do seu meridiano central. O meridiano origem
é o meridiano de Greenwich e o primeiro fuso estende-se 7º 30′ em longitude
para cada um dos lados desse meridiano. Ao tempo correspondente ao meridiano
origem (Greenwich) dá-se o nome de Tempo Universal.
Ainda antes do aparecimento dos
relógios de quartzo e dos padrões atómicos, que puseram em evidência, de
maneira bem clara, a existência de irregularidades na rotação da Terra, já os
astrónomos haviam descoberto discrepâncias entre as posições observadas do Sol,
da Lua e dos planetas e as calculadas pelas fórmulas da mecânica celeste. Essas
discrepâncias só poderiam ser atribuídas ao facto de o tempo utilizado em tais fórmulas, deduzido do movimento de
rotação da Terra, não ser rigorosamente constante. Por esse motivo, a União
Astronómica Internacional decidiu introduzir em 1955 uma nova noção de tempo, o
Tempo das Efemérides, baseado no movimento de translação da Terra em torno do
Sol que, para um observador terrestre, se traduz pelo movimento do Sol entre as
estrelas. O segundo das efemérides é uma fracção perfeitamente determinada do
ano trópico para 1900.
Com o advento dos padrões
atómicos de frequência, o tempo das efemérides também deixou de satisfazer às
precisões exigidas nas medidas de comparação de frequências. Devido a esse
facto, os físicos e, em particular, os radiotécnicos propuseram que se
substituísse a definição astronómica de segundo por uma melhor definida, mais
estável e mais acessível às suas necessidades. Assim, a partir de 1967, o segundo passou a ser definido em
função duma transição quântica do átomo de césio 133. Mais recentemente,
surgiram outras escalas de tempo, o Tempo Dinâmico Terrestre e o Tempo Dinâmico
Baricêntrico, igualmente baseados na definição atómica de tempo e especialmente
concebidas para estabelecer a ligação ao tempo das efemérides.